MESTRE PAULO

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Mestre Paulo era um matuto, porém não analfabeto como muitos pensavam. E sempre dizia: Toda palavra escrita se for a verdade dói ou nos cria problemas. Toda palavra é um juízo de valor. Por trás de “certo”, por exemplo, está a idéia de que a linha é mais digna que a curva, que há mais virtude na certeza que na dúvida. Da mesma forma, “errado” coloca o andar sem rumo – errância – como indigno, de valor duvidoso.
Seguindo essa linha de raciocínio, então, a palavra “covardia” sempre me intrigou, por seus dois significados. Pode ser interpretado tanto como algo violento, que o forte comete contra o fraco, como ser também vista pelo lado da timidez existencial que impede o espectador de interferir quanto presencia a violência. Vendo por esse ângulo, não é injusto pôr no carrasco e na testemunha o mesmo rótulo.

Ia o Mestre num dia de domingo, na Rua do Bosque, em Vilarejo (cidade imaginaria, surgida nos sonhos e devaneios do autor do texto), por volta de 12h00minh (meio dia), dois sujeitos torturaram um morador de rua. No mesmo domingo, na mesma rua, em Vilarejo, por volta de 12h00minh (meio dia), pedestres assistiam calados à tortura.
Um dos pedestres! Eu.
Da calçada oposta, assistindo à cena, parado ao lado de uma senhorinha com sacolas do supermercado, um sujeito “fortão” de camisa regata, vindo não sei de onde e uma garota saindo da mercearia, com um pacote de absorvente nas mãos. Entendi que os dois sentidos da palavra covardia são os lados da mesma moeda: dois pólos, positivo e negativo, sem os quais a corrente da maldade não viaja da intenção ao ato. Portanto só pode existir a covardia do carrasco se a covardia das testemunhas permitirem.

Isso torturou Mestre Paulo durante a noite, não conseguia dormir, as palavras; certo errado, covardia, decência e mais uma infinidade de adjetivos, vinham a sua mente em relampejos que ofuscavam sua mente e seu sagrado sono.

Para torturar o morador de rua, os sujeitos utilizavam um objeto escuro, que parecia um revólver de verdade ou de brinquedo. Observando melhor, não! Nada do que pensava, era uma “Taser” e de brinquedo não tem nada. Alem de baterem no miserável, aquela arma quando disparada a distância, por um dos torturadores lançava dardos presos a fios. Os dardos dão um choque, capaz de derrubar um adulto e deixá-lo imóvel por alguns segundos, Aquela arma até então eu sabia, era usada pela policia. Evita, assim, que seja necessária uma bala de chumbo para desarmar um bandido. Pois bem o problema é que a “Taser” também funciona sem os dardos: seu cano, encostado ao corpo, dá choques elétricos.

Mestre já havia lido nos jornais, havia um bom tempo, que a polícia de alguns estados brasileiros estudavam a adoção da tecnologia. Muito bom que haja uma alternativa à arma de fogo, diziam os otimistas. Muito ruim que haja uma alternativa ao fio desencapado, alertaram os realistas.

Todos aqueles que eram contra, ainda tinham vivo na memória as atrocidade cometida pela forças armadas em Xambioá no Para, na época da guerrilha do Araguaia.

Ao condenar as testemunhas onde eu era uma delas com a mesma pena dos verdugos, a palavra “covardia” as transforma em cúmplices, eu era cúmplice de uma pendenga da qual era mero espectador. Tirando-as da posição de espectadores passivos e lhes dando a responsabilidade pelo ato que está a ser cometido, lhes traz o dever e a possibilidade de intervir. Então eu era um covarde. A palavra tem em si, portanto, o fardo e a benção da modernidade. Fardo por dizer que, haja o que houver à nossa volta, é de nossa responsabilidade. Benção por sugerir, simultaneamente, que mudar o mundo está em nossas mãos, e não é tão fácil assim.

Será?... Até então não sei como pensam os covardes, tampouco os Heróis!
Enquanto um sujeito dava choques no homem e fazia perguntas, o outro revirava seus pertences com o bico da bota, espalhando as sacolas plásticas, o cobertor cinzento e um amontoado de miudezas sob a marquise, onde ele se protegia da garoa.

O barulho de matraca da pistola, tec, tec, tec, tec, tec, como a ignição de um fogão que demora a acender, era abafado pelos gritos do mendigo, recebendo descargas na parte de trás das coxas e nas costas. Mais ainda, era abafado pelas vozes na minha cabeça (minha consciência a dizer – era a parte não covarde de minha consciência): “Vai lá!”, dizia-me. “Você que teve pré-natal e fralda descartável, você que estudou em boas escolas, é graduado e até já foi ao cinema. Minha consciência foi mais além, olhando os espectadores em volta. Você, com lentes de contato e livros na estante, você, que veio de uma família estruturada e caminha em direção a um restaurante: vai ficar aí, parado? Anda rapaz faça algo” Porém a outra voz, a voz covarde, me dizia: “Esquece. Não é o caso de peitar dois sujeitos, ainda mais sendo dois desconhecidos, não fazia a menor diferença. E se te jogarem no chão? Se te derem choque com a mesma arma?” A voz corajosa insistia. “É seu dever! E é pouco provável que te batam. Você sabe bem que, desde a redemocratização, a tortura deixou de ser aplicada aos de lentes de contato e livros na estante e ficou restrita aos do outro lado da rua, sob a marquise.”

Olhei a senhorinha, ao meu lado que pronunciou. “Alguma ele aprontou”, disse ela. Então abaixou a cabeça e saiu andando, agarrada a essa frágil certeza trazida pela responsabilização da vítima: afinal, se quem apanha merece, o mundo tem sentido, não vivemos no caos e na barbárie e pode-se voltar para casa com as compras do supermercado. Eu abaixei a cabeça e saí na direção oposta, levando como única certeza a consciência de que devia ter agido, mas tive medo e não fiz nada.

Covardes! Covardes! Eu só não contava que Mestre Paulo de longe fazia algo ligava para a polícia, coisa que não me lembrei, assim como não me lembrei que eu era autoridade, tinha influencia poderia ter mobilizado os espectadores e junto livrarmos o mendigo de tal situação. Lembrei-me depois que Mestre Paulo tinha setenta anos de idade e agia como um garoto. Senti-me mais covarde ainda.

Quando a policia chegou, não tinha mais nada, o mendigo já havia ido embora, os espancadores também. Só os curiosos com as mais estranhas e belas historia assim:
Expectador 1 - Trabalho no Centro e é chocante ver a forma que esta realidade nos persegue, e mais revoltante ainda é a forma como fingimos que nada de anormal esta acontecendo ao nosso redor.

Expectador 2 - Não sei o que dói mais, se é a falta de caráter das autoridades ou então a nossa de engolirmos toda esta mentira de encontramos um pote de ouro no fim do arco-íris.

Expectador 3 - Chocante. Porra! Você é um covarde, mas eu em seu lugar provavelmente também ficaria com medo e não faria nada.

Expectador 4 - Entendo sua angustia. Outro dia, presenciei um carro quase atropelar uma idosa. Esta última bateu no vidro do carro e falou para que o motorista não fizesse aquilo. Ele abaixou o vidro e passou a xingar a idosa de todas as palavras de baixo calão que se possa imaginar. Eu estava a uma distância de cerca de dois metros e sai em defesa da mulher, gritando ao motorista que não podia fazer aquilo. Resultado: ele desceu e veio para cima de mim. Como aparentava uns 45 ou 50 anos, tive a consciência de não golpeá-lo, pois minha superioridade física era maior. Apenas o contive com os braços e passei a segurá-lo. Enquanto ele se debatia tentando me acertar, puxei-o para trás e acabei tropeçando na calçada. Caímos no chão e então vários transeuntes separaram a “briga”. Sabe o que aconteceu? A maioria que presenciou a situação disse que eu fiz o que era certo, pois o homem havia tratado a idosa como um cachorro. Já alguns outros disseram que eu era covarde por ter entrado em conflito físico com um homem mais velho do que eu. No fim, eu e ele tivemos que ir para a delegacia e quase foi aberto um inquérito por lesão corporal, só não foi adiante porque o delegado pediu para que fosse feita uma composição e tudo acabasse ali, que foi o que aconteceu.

As lições que ficaram? Moralmente, não me arrependo do que fiz, pois agi de acordo com o que esperava que alguém fizesse se minha mãe estivesse no lugar daquela idosa. Por outro lado, meu ato não valeu por nada, pois se aquele homem tivesse uma arma no carro, ele poderia ter me matado. Assim, como se eu resolvesse de fato golpeá-lo, ele também poderia estar morto nesta hora e eu preso. A conclusão que tiro é que fazer o que fiz não vale a pena. Não se pode esperar bom-senso das outras pessoas, até porque ainda me lembro das palavras da esposa do motorista, a qual estava no carro: “Você não sabe distinguir uma calçada de um estacionamento, a mulher estava andando no estacionamento”.

Isso me intriga até hoje, pois será que o simples fato de uma pessoa estar andando em um estacionamento dá direito ao motorista de passar por cima dela? Como disse, não se pode esperar bom-senso dos outros. O que tomei de lição é que se eu presenciar um cena daquelas novamente, nunca mais irei intervir. Mesmo sabendo que agi para proteger uma idosa, não valeu a pena o que fiz. Faço este relato para lhe mostrar que sua atitude de ir adiante e não intervir no que os homens estavam fazendo foi acertado, pois você poderia neste momento estar preso, espancado ou até mesmo morto, mesmo tendo agido por um motivo nobre.

Expectador 5- Não devemos esperar pelo bom senso nas pessoas – algumas vezes senti forte ânsia ao presenciar pessoas que justificam o absurdo que cometem exatamente por nem ao menos perceberem a falta que lhes faz o bom senso. Talvez esse seja um mal ainda maior, para essas pessoas além do bom senso também lhes falta a capacidade de compreender o bom senso no outro, isto é, torna-se praticamente impossível discutir ou dialogar amistosamente com pessoas que sofrem disso. São pessoas estúpidas e inconsequentes presentes em todas as camadas e classes sociais, elas estão por aí e podemos sim encontrá-las a qualquer momento seja vestindo um uniforme, atrás de um volante, de uma mesa de escritório, fila de supermercado ou na casa ao lado da sua; na maioria das vezes, se encontrá-las não tente ser heroi, infelizmente, contrariando as regras de Hollywood, o melhor a fazer é mesmo dar as costas e correr. Alguém uma vez me disse que se não houvesse a possibilidade de fuga então a única alternativa possível seria a bestialidade pura, ser mais selvagem que os selvagens que precisará enfrentar – e que vença o pior!

Expectador 6 - Há alguns anos ouvi um diálogo entre dois policiais militares (SP): um dizia que um “lixo” teve a pachora de sair de um baile, de madrugada, e mijar na parede do posto comunitário em que ele, o PM, atua.
Ele pegou o “lixo” pelo colarinho, levou para dentro do posto e, junto com outro PM, aplicaram um corretivo físico no “lixo”.

Dias depois a família do “lixo”, audácia! veio tirar satisfação com os PM do posto, porque o “lixo” havia morrido em um hospital público!; imagina, alguém se importar com aquele “lixo” que ousara mijar na parede do posto!
Somos todos covardes, nos dois sentidos que você aborda!; também não tive “coragem” de interferir na conversa dos PM, porque não sou o “lixo” a que eles se referem, ou porque não foi comigo ou alguém da minha família.

O que nos induz a ser covardes é pensar que os soldados, que são por nós pagos para nos proteger, chamam de lixo pessoas que são como eles (como nós!); e pensar que eles são um microcosmo da sociedade que formamos!; pensar que desta massa que forma a sociedade brasileira há pessoas que são nossos semelhantes!; que convivem conosco no dia a dia!; que se relacionam conosco!; e que um dia serão pessoas com “autoridade” para agir sem limites. Mas também já ouvi relato de um PM aposentado (interior) que disse que tinha escrúpulos e não participava de atos crueis com os “lixos”; fingia que não via; seria ele também um covarde?
Expectador 7 - Tenho até medo de que você vá publicar isso, porque sou covarde, não sei se no bom ou no mau sentido.

Expectador 8 - (representante do fabricante da arma que chegou bem depois do acontecido) O aperto do gatilho do TASER gera um registro, na memória interna da arma, da data e horário (dia, hora, minuto e segundo) do acionamento do gatilho e este registro não pode ser apagado ou alterado.

Se o seu relato é verdadeiro (acredito que seja), basta comunicar o fato ao Comando da Corporação para que seja iniciado um processo, no qual será cotejado o relatório do incidente sobre as ocorrências daquele dia com o relatório dos acionamentos do gatilho da arma TASER naquela mesma data, ou seja, quem disparou o TASER por motivo fútil, banal, desnecessário, não haverá uma explicação que justifique o mesmo…
A arma TASER só deve ser utilizada diante de uma ação do suspeito que coloque em risco a integridade física do policial ou de terceiros. Se o gatilho da arma foi acionado, significa que houve uma ameaça e, em função desta, ocorreu um disparo e, obrigatoriamente, a ocorrência tem que ser registrada em relatório, além do encaminhamento do suspeito para a delegacia, etc.

Para os cidadãos avaliarem a importância da arma TASER, basta fazer a qualquer pessoa as seguintes perguntas:

1 – Você prefere ser abordado por um Policial que esteja usando um TASER ou uma Arma de Fogo?
2 – Se o Policial falhar, se enganar ou imaginar que você seja um bandido – é preferível que o Policial esteja usando um TASER ou uma Arma de Fogo?
3 – Caso ocorra um disparo – você preferiria ser atingido pelo TASER ou por uma Arma de Fogo?
No Brasil, armas TASER já salvaram a vidas de pessoas em centenas de ocorrências policiais. Para tal, basta dar uma olhada na página
Há 500.000 armas TASER na cintura de policiais de 15.000 Departamentos de Polícia de dezenas de países do mundo. No Brasil, cerca de 8.000 armas TASER estão, hoje, sendo portadas por policiais, agentes de segurança de órgãos governamentais e guardas municipais. Dentre os órgãos públicos que utilizam as armas TASER, podemos citar alguns: Polícia do Senado Federal, Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados, Departamento de Polícia Federal, Força Nacional de Segurança Pública, Tribunal de Contas da União, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Ministério Público da União, Superior Tribunal de Justiça, Polícia Rodoviária Federal, Marinha do Brasil e Polícias Militares e Civis de quase todos os Estados da Federação, além de inúmeras Guardas Municipais, como as do Rio de Janeiro e Fortaleza.



Isso é tudo!!

GERYSMAR FERNANDES (ADAPTAÇÃO)




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